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Dia 28 de Maio de 2010

De Arzua a Santiago de Compostela

Distância:39,91Km

Distância Total: 808,91Km

Tempo gasto: 10:23h

Peregrinação

SANTIAGO DE COMPOSTELA

NOSSAS ORAÇÕES DE HOJE FORAM

PRINCIPALMENTE PARA

30° Dia

Aline, Henrique, Thais, Luana, Lucca, Aída, Luiz, Pablo, Levindo Regina e família, Eliana e família, Grupo Lilás, Heliana e família, Didier Simone e família, amigos dos nossos filhos, Walfrido Kátia e família, Ivan e Isabel, Sthephanie e seu curso, Diva e família, Renato e Rosana, nossos irmaos, nossos sobrinhos, colegas da UFMG (especialmente Erben, Guilherme, Divar, Pio, Nassif, Ricardo, Francis, George e respectivas famílias), Veotex e Thales, colegas aposentadas (Maria José, Miriam, Wilma, Heloisa, Jacyra, Consuelo e familiares), Rômulo Regina e família, pais do Willer (Antonio e Aparecida), família do Kaká, Ivan Vera e família, Eduardo Ivana e família, Medialuna, família da Nena, amigos do ECC, pelo Papa e pela Igreja, pela Congregação Sacramentina e pelo mundo todo.

Quando deixamos Arzua o tempo estava chuvoso e completamente escuro. Dava para perceber, mesmo antes das 6 horas da manha, que o dia hoje surgiria mais tarde. Tentamos caminhar sem auxilio da luz, mas não dava. Peregrinos que nos antecederam no tempo foram diminuindo os passos, até que colocamos nossa lanterna em ação: finalmente ela (a lanterna) justificou sua vinda, pois pesou em os costas. Névoa nos cobria e cobria o caminho. Até próximo das 7 horas não havia amanhecido. Cruzamos e cruzaram por nos, peregrinos mancando, se arrastando, mas sempre seguindo em frente: o Caminho é feito passo a passo. Passamos por povoados da época romana e medieval, totalmente adormecidos e nós exauridos na base do temos que chegar, faltam poucos quilômetros, Deus e Santiago nos levarão. Rezávamos, rezávamos...

Primeira parada, Salceda, Onde tomamos um café com leite e comemos as madalenas e queijo que levamos da sobra do nosso café no quarto. Depois, em Arca, só tiramos as mochilas, alongamos e fizemos um lanche. O bar estava totalmente lotado de ciclistas as bicicletas fechavam a frente do bar.

Seguimos por caminhos de terra e barro entre túneis de arvores muito verdes e lindas folhas, vários rios, quando presenciamos uma divertida cena: um coreano fazia xixi a beira do caminho quando seu colega cercou uma moça que andava a nossa frente, para que ela não visse o coreano fazendo xixi. Depois disso o dois iniciaram um verdadeiro samba do crioulo doido: ela falava com ele sem parar, em espanhol, ele fingia que entendia, e respondia em inglês. Edson não aguentou e intermediou a conversa dos dois, fazendo a tradução e rindo a valer. Depois disso Edson conversou com ele sobre a nossa ida a Korea, no inicio da década de 90. Passado um tempo ele voltou a caminhar ao lado da espanhola, até o Monte do Gozo, quando os perdemos de vista, pois ficaram parados naquele local.

Edson sentia muitas dores nas costas e calcanhar (teve até que trocar a bota pela sandália Timberland, o que possibilitou sua chegada em Santiago). As dores eram fortíssimas o que o obrigava a parar varias vezes. Um peregrino, percebendo a situação difícil em que nos encontrávamos, passou a nos acompanhar por um longo tempo, silenciosamente (parecia inglês, pois sua mochila trazia uma bandeira daquele pais).

Aqui vimos a placa indicando que estávamos entrando nas terras de Santiago.

Apos percorrermos 800 km surpreende-nos o fato de não termos visto um só acidente ou carro estragado nas estradas que cruzamos, nem nas cidades que pernoitamos. As casas não possuem muros (deve ser ótimo viver assim), não vimos nenhum policial nas ruas (as vezes cruzávamos com um carro da Policia Civil nos caminhos, que silenciosos passavam por nós e percebíamos que só estavam verificando se tudo estava bem). Buzina é coisa raríssima nas cidades e estradas. O silencio é geral. Parece que todos respeitam nossa necessidade de interiorização ou são culturalmente muito educados.

O Caminho todo é cheio de pássaros que cantam sem parar. Quando caminhamos em trilhas ou estradas fora dos pueblos, eles são os únicos movimentos e barulhos que ouvimos. Impossível registrar a variedade de flores e tipos de plantas existentes. As frutas, que em geral consumimos nas festas de final de ano em nosso país, estão em muitos quilômetros que percorremos: avelãs, amêndoas, cerejas; damascos e, até morangos (que colhemos à beira da estrada já próximos de Santiago) encontramos.

Contornamos e passamos por trás do aeroporto de Santiago, por subidas e descidas às vezes fortes, quando paramos em S. Paio, para descanso e lanche. O caminho estava repleto de ciclistas e esse bar também. De lá iniciamos uma forte e longa subida quando avistamos a placa Monte del Gozo a 1 km. Continuamos subindo quando vimos um monumento a Juan Pablo II no Alto do Gozo, onde se vê Santiago e sua bela catedral, a 5 km de distância. A euforia e emoção começaram a imperar. Edson não deu conta de subir até o monumento.

Começamos a descer, lentamente, pois Edson puxava uma perna. Demos de encontro ao intenso trafego de Santiago, o que nos incomodou, pois estávamos muito acostumados ao silêncio. Entramos na cidade percorrendo com emoção a sua parte moderna. O casco viejo não chegava nunca. O movimento era intenso, devido ao horário de retorno da siesta. Estávamos na Av. de los Concheiros, para chegar na porta do tão sonhado e esperado Caminho. As palavras são pequenas para expressar nossa emoção nesses momentos: é indescritível. CHEGAMOS, e fomos cumprir o ritual: pegar a Compostelana, entrar na igreja (o que só foi possível após depositarmos as mochilas em um bagageiro próprio, pois não se entra nem com sacolas na Catedral), abraçar o Santo e visitar a sua Tumba. Ficamos quase 1 hora na fila, subindo escadas, até pegarmos o nosso tão sonhado e sofrido documento A Compostelana só é concedida ao peregrino que comprovar ter percorrido mais de 100Km a pé, ou ao ciclista ou cavaleiro que comprovar ter percorrido mais que 200Km. A comprovação é feita apresentando-se a Credencial do Peregrino com os carimbos das localidades percorridas, devidamente datados. Ao entrarmos no prédio deparamos com um monte de cajados de avelã no saguão. Foi o momento de desfazermos do nosso amigo, que apos ser usado por mais se 600Km (quando nos foi dado pelo famoso Pablito: foi triste e difícil nos desfazermos de um companheiro tão fiel, que nos deu apoio e segurança nas descidas, subidas, rios, barro, matas cerradas). Foi tão usado que foi diminuindo mais de 10cm e ficando com a ponta arregaçada. Como nos valeu, como foi importante! (Socorro achou-o mais útil que o bastão de caminhada que havíamos comprado em BH).

A entrada na Catedral foi muito emocionante, novamente, pois já havíamos estado lá há 10 anos em uma situação bem diferente. Rezamos, agradecemos e fomos abraçar e beijar o Santo. A fila era incalculável. Chegamos a ficar um tempo nela mas desistimos pois Edson estava em ponto de arriar. Fomos em busca do nosso hotel, o trigésimo reservado, e como todos os outros, não tivemos problemas. Para chegarmos nele, andamos mais 1km. Eram 18 horas. Tomamos banho, lavamos todas as roupas e saímos de novo, de volta à Catedral, onde aas 19:30h seria celebrada a Missa do Peregrino, com bênção inclusive com o famoso e único Botafumeiro (um turibulo enorme, de metal, preso em cordas e roldanas, aonde 8 homens vestidos de frade, com conchas nas golas, o conduzem durante uns 5 minutos. Ele possui, no total, 1,10m de altura e pesa aproximadamente uns 50kg. Cheio de incenso ele percorre a nave da Catedral, sobre as pessoas, de maneira pendular: É emocionante! Os órgãos (2) super potentes, acompanham um frade que canta uma musica própria para o momento.

Terminada a celebração, às 20:30h, fomos almoçar e jantar: que fome!

Apos tudo isso percorremos mais 1km e fomos finalmente dormir o sono dos justos e realizados pelo termino do que estava para ser concluído. Faltou o abraço ao Apostolo e a visita à Tumba, o que faríamos pela manha seguinte, antes da tradicional Missa do Peregrino das 12 horas. Após uma permanência de quase 1 hora na fila (9:20h) entramos para o abraço ao apostolo Jacob, e visita ao túmulo. Foi grande a emoção: tremedeira, lagrimas, agradecimentos e mais pedidos. Eram tantas as presenças das nações do mundo na celebração da Santa Missa, que o comentarista pediu licença para não citar todos, pois já estava falando ha muito tempo. A missa foi festiva, solene e maravilhosa. O Arcebispo de Santiago a presidiu, com vários sacerdotes concelebrando. Milhares de pessoas lotavam a Catedral. Chegamos 20 minutos antes e só conseguimos nos assentar no chão, no fundo da nave, encostados em uma imensa coluna. Vimos novamente o Botafumeiro, e a emoção continuou.

Terminamos nossa peregrinação com, a certeza que valeu a pena passar por tantas dificuldades para alcançar nosso objetivo. Com certeza hoje somos pessoas diferentes de quando iniciamos o Caminho, há 29 dias. Nossa fé é maior, e só a presença de Deus e a companhia de Santiago nos trouxe até aqui. Percorrer 808km só foi possível porque tivemos Fé, FORÇA ESPIRITUAL E CORAGEM!

Com o Caminho aprendemos, principalmente, que só conseguimos alcançar nossos objetivos, sejam eles quais forem, com determinação, sacrifício, renuncias, luta, esperança e fé. As dores existem, o sofrimento aparece a todo dia, mas a vontade de vencer é maior. Ontem e hoje encontramos muitos dos que se arrastavam, mancavam, usavam bengalas, desciam as longas e duras ribanceiras, às vezes de costas, mas venceram: estavam na igreja, nas filas da Compostelana, nas lojas, com a Compostelana nas mãos, e sorrindo venceram! Nós vencemos! Muitos começaram conosco, há 808km atrás, outros depois, cada um no seu tempo e passo, na sua medida, mas venceram. E, importante, um passo após o outro, um dia após o outro!

Nas lojas vimos camisetas alusivas ao sofrimento dos peregrinos (pernas e pés com bolhas): como são reais! Todos sabem das dores e dificuldades do caminho, mas querem experimentá-lo. Por quê? Só Santiago sabe o motivo de cada um. Edson durante a peregrinação deixou a barba crescer (apesar da coceira e do incomodo) e Socorro não usou maquiagem (nem brilho nos lábios, perfume), tudo como um sacrifício a mais. Valeu!

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